sábado, 8 de janeiro de 2011

Deviam ser duas da manhã, estava a chover, muito frio e o céu estava negro, tão negro que as estrelas se tinham escondido atrás de umas nuvens extensas e cinzentas. Acabara de sair de uma festa que se tinha descontrolado totalmente. Estava esgotada e enregelada. Correndo fui pensando no que tinha acontecido naquela noite. Foi horrível! O John, meu melhor amigo, tinha-me convidado para ir à tal “party” que ia decorrer em casa do Henry, o segundo melhor amigo do mesmo. Não cheguei bem a conhecer a história do motivo pela qual lutaram, o John não costumava ser assim. Pelo que me contaram, tinha sido o Harry a começar a briga mas não iria julgar ninguém sem saber. Tinha andado tanto, ou melhor, corrido tanto que me tinha esquecido que estava encharcada devido à chuva. Tempestade! Seria o nome mais apropriado, pois de repente uma linha muito estreitinha trespassa o céu e ilumina o meu caminho, começando de seguida a chover torrencialmente.
Foi nesse momento que me apercebi que estava longe de casa, talvez demasiado longe para ir a pé, ainda por cima com aquele tempo.
De repente ouço uma voz vinda de um carro luxuoso parado ao meu lado:
- Anna! Anna! Entra! – gritava a voz vinda do interior do carro. Cheguei mais de perto para ver quem era. Vi o rosto de um homem já com bastante idade, só de vista dava-lhe uns 60 anos. À primeira impressão descobri as suas melhores qualidades, querido, simpático, amável, resumindo, dava um excelente avô!
Enfim, eu sabia que não devia aceitar boleia de desconhecidos mas, olhando para as minhas roupas e para o meu cabelo, parecia uma mendiga! Então, aceitei.
Entrei no carro e ocorreram-me apenas duas perguntas.
- Quem é o senhor? Como sabe o meu nome? – Ele riu-se muito divertido com a minha preocupação e eu também respondi às suas gargalhadas com um sorriso tímido.
- Boa noite, Anna. Primeiro de tudo, um «obrigado» ficar-te-ia bem. – disse ele num tom um bocado severo mas divertido.
- Obrigada! – Exclamei – Mas, quem é o senhor? Como sabe o meu nome? Não reconheço a sua cara…
- É normal. A última vez que te vi tinhas uns três anos, é normal que não te lembres de mim.
Seria de espantar, aquele homem ainda se lembrava de mim e a última vez que me vira foi quando tinha três anos. Já tinha passado tanto tempo! Pelo menos, para mim.
- Peço desculpa. – disse ele, constrangido.
- Pede desculpa porquê? – Perguntei confusa.
- Por não me ter apresentado devidamente. Permite-me que me apresente, chamo-me Carl Leaf mas podes tratar-me por Carl. Vivo na mansão White Leaf, decerto já ouviste falar de mim – disse, piscando-me o olho esquerdo.
- É claro que me lembro! Você é aquele escritor muito famoso que escreve a colecção «Olhando o vazio»!!! Como me poderia esquecer?!
- Escrevia. Agora estou velho demais para continuar a escrever.
- Como assim? Eu adoro os seus livros! Não pode parar agora, os fãs esperam a continuação da história!
De facto, eu adorava aquela colecção tal como a minha mãe adorava.
- É uma ideia! Vou pensar no assunto.
De seguida, fizemos uma pausa na conversa e eu olhei para o vidro do carro. Reparei que estávamos a chegar. Estremeci, não estava a chegar a casa, estava a chegar a uma enorme casa que mais parecia uma mansão. A mansão White Leaf!
- Peço desculpa Sr. Carl, a minha casa fica na outra rua, do lado oeste.
- Eu sei, mas, não te vou levar para casa nesse estado, o Thomas iria ficar escandalizado se te visse assim! Acharia que tinhas vindo de uma apanha das batatas e não de uma festa. – Ri-me. Rimo-nos. – E por favor, trata-me por Carl.
- Ok, mas depois vou embora.
- Porque não ficas para dormir? – Perguntou de uma forma muito encantadora.
- Não quero… incomodar. – Respondi muito timidamente.
- Não incomodas de maneira nenhuma. Fica para dormir e talvez tenhas a oportunidade de conhecer a minha mulher e o meu neto.
Sorri. Estava tão cansada que insistir para me levar a casa seria um esforço enorme, que não tinha nem por sombras!
Quando estacionámos, um senhor alto e com uma cara muito séria dirigiu-se a nós e abriu-nos a porta do carro para sairmos.
Não estava habituada a tanta cortesia, senti-me mesmo uma mendiga!
Estendi a mão e saí do carro.
Deparei comigo à frente da mansão White Leaf. Era antiga, sombria e sinistra mas de uma forma agradável.
- Anda, Anna. – Chamou-me.
Ao entrar, comecei a observar os pormenores daquele maravilhoso lar, tinha um óptimo ambiente, desejei lá viver o resto da minha vida. Era tão calmo, silencioso, dava gosto estar lá.
Depois, entrou na sala uma senhora. Devia ter a mesma idade do Carl e parecia ter as mesmas qualidades.
- Rosie, lembras-te da Anna? – Perguntou à senhora sorrindo.
- Como me poderia esquecer! Boa noite, Anna! Tinha saudades tuas e estás tão grande! – Disse muito admirada, abraçando-me.
- Anna, esta é a minha mulher, a Rosie. – Disse apresentando-a a mim.
- Boa noite Sra. Rosie! - Cumprimentei.
- Oh por favor! Trata – me por Rosie apenas, afinal, és quase da família.
- Quase da família?
- Não lhe contaste? A verdade é que o Carl é o melhor amigo do teu pai, tu já és praticamente da família para nós.
Sorri, de facto estava feliz por ser considerada quase daquela família. Eram todos tão amáveis!
- James? James! – Chamou o Carl. Pensei que se pudesse tratar do neto.
- Sim avô, já estou a ir! – Respondeu uma voz vinda do piso superior. Era de facto o neto do Carl. Estava igual, alto, com o seu cabelo castanho suave e olhos verdes, lindo e perfeito tal como me lembrava. – Boa noite avô, avó e…Anna? És tu? – Esboçou um lindo sorriso, tão lindo que me fez lembrar de todas as memórias de quando brincávamos juntos.
- Sim, sou eu. Tu és o James, certo?
- Sim, ainda te lembras de mim! - Como me poderia esquecer, foi a minha primeira paixoneta quando era pequena. Nunca me vou esquecer disso. Gostei muito dele e sinceramente aquele reencontro tinha-me mudado. Como se sentisse uma atracção por ele outra vez. Talvez ainda gostasse dele. Fiquei confusa.
- Como me poderia esquecer da pessoa que misturava Coca-Cola com terra e outros componentes para formar uma “poção mágica”!
- Oh, não te esqueceste de nada! E já cresceste tanto! – Disse num tom de gozo.
Já quase não conseguia manter os olhos abertos, estava quase a cair. No entanto ele reparou no meu estado e pegou-me ao colo.
- Leva – a para o quarto nº11. – 11? Não imaginara quantos quartos aquela mansão teria. Deviam ser imensos! Era mais um hotel que uma mansão provavelmente.
Enquanto me levava fez-me algumas perguntas:
- Então, quantos anos tens, neste momento? – Perguntou com alguma curiosidade apesar de saber quantos eu tinha.
- 16.
- Vou ser sempre um ano mais velho. – Uma pequena gargalhada. - E como vão as aulas?
- Bem. – Já não conseguia manter os olhos abertos, tive de os fechar. Ele, mais uma vez reparou no cansaço que tinha e apenas me deixou cair na cama, colocou uma camisa de dormir ao meu lado para se eu a quisesse vestir e beijou-me a testa sussurrando-me um «Boa noite» no ouvido.
Depois de a porta se fechar, levantei-me, vesti a camisa e voltei a deitar-me acabando por adormecer.
Acordei com o cacarejar do galo. Eram 10 da manhã, já tinha dormido o suficiente. O Carl tinha-se esquecido de mencionar que a mansão White Leaf era também uma quinta, com muitos e variados animais.
Levantei-me e vesti a minha roupa que estava em cima de uma cadeira no canto do quarto. Depois corri para a casa de banho, lavei a cara e penteei-me. Depois desci, esperava que ninguém me visse e conseguisse sair à socapa mas:
- Onde vais Anna? – Virei-me para trás e lá estava ele, com um sorriso maroto e um olhar trocista.
- Para…casa.
- Nem pensar! – Rematou – Não vais embora sem comer. Vem tomar primeiro o pequeno-almoço.
Não disse mais nada. Segui-o até uma sala enorme decorada com talha dourada. No interior tinha uma mesa comprida que dava para cerca de 50 pessoas no mínimo e sentei-me com o Carl, a Rosie, o James e outros amigos.
Em cima da mesa havia todo o tipo de comida. Aquilo tudo dava para alimentar o mundo inteiro!
Depois de tomar o pequeno – almoço o James chamou-me para vir ter com ele à sala de estar.
- O Carl telefonou ao Thomas.
- Ao meu pai?
- Sim, ele disse que podias passar o dia cá já que é Domingo e assim poderias fazer coisas diferentes do que ficar sempre no quarto fechada a estudar.
- A sério? – Sorri. Sabia bem falar com o James, era divertido!
A seguir, virámo-nos os dois para a porta e saímos.
- O que vamos fazer?
- O que quiseres. Estava a pensar em ensinar-te a montar outra vez. Aposto que já não te lembras de como é. – Amedrontei-me. De facto já há bastante tempo não andava a cavalo, aliás, já há bastante tempo que não via um. – Estás com medo? Sabes que não precisas de ter, eu estou aqui ao teu lado, não vou deixar que tu caias. – Acenei. O medo começou a desvanecer-se depois de ele ter pronunciado aquelas palavras.
Fomos directos ao estábulo. Ele entrou numa cabine e foi se equipar.
Algo me chamou a atenção. Um cavalo preto relinchou na minha direcção como se me chamasse. Fui ter com ele e ao olhar para os seus olhos negros reparei que era o meu cavalo. O cavalo que montei quando era pequena. Era o Dark Leaf. Lembrei-me de ter-lhe dado esse nome por causa da mansão. Fiz-lhe uma festa na crina. Ele reconheceu-me muito bem.
- Estou a ver que ainda te lembras do Dark Leaf. Ele também te reconheceu.
- Sim. Estava com saudades tuas, Dark. – Senti o meu coração a explodir de alegria, estava tão feliz por o ver de volta. Já não me lembrava sequer que tinha aprendido a cavalgar. Naquele momento só queria montá-lo de novo.
- Queres montá-lo? – Mas como é que…? Ele parecia ter lido os meus pensamentos!
- Quero.
James ajudou-me a levar o Dark para fora do estábulo ficando ao ar livre num extenso campo. O sol estava a brilhar, estava um óptimo tempo, o que não era muito vulgar naquela cidade. Normalmente era só chuva ou neve mas, aquele dia era especial, estava quente e isso era bom para reaprender a montar.
Agarrou-me e colocou-me em cima do cavalo. Com uma corda ia guiando o cavalo para me habituar. Estava um pouco assustada, tinha medo que o Dark me projectasse para o chão por não se lembrar muito bem de mim. Mas continuei confiante no meu cavalo e em mim, o que também era estranho.
Passados uns minutos, James esboça um sorriso rasgado e larga a corda, fazendo sinal para eu continuar a andar.
Fiz um grande sorriso, tinha acabado de relembrar como se andava e nesse momento fiz com que Dark cavalgasse mais rápido. Senti-me livre, mas depois abrandei e fui parar ao pé de James.
- A minha Anna está de volta! – Disse, ajudando-me a desmontar do cavalo. Sorri. O que será que ele quis dizer com «a minha Anna»? – O Thomas telefonou. É para ires para casa. Eu levo-te.
- Como?
- Já tirei carta de mota.
- Fixe!
Levou-me até casa de mota como tinha dito e deixou-me mesmo à entrada.
- Onde estudas? Nunca te vi na escola.
- Estudo em casa. O meu avô paga-me aulas privadas.
- Mmm…
- Mas quero que me venhas visitar, de vez em quando, tal como eu vou fazer em relação a ti.
- Vou adorar receber-te. – Era verdade. James tinha acabado de se tornar o meu melhor amigo, fora o John que já era há anos.
Abraçou-me e foi-se embora. Eu dirigi-me para dentro de casa.
- Então…como correu? – Perguntou o Thomas com a máxima curiosidade.
-Normal…montei o Dark! – Disse sorrindo.
- E estiveste com o James?
-Sim. Continua o mesmo de sempre! Até já tinha algumas saudades dele…
-Algumas? Não eras tu que gostavas dele?
Corei.
-Não, estás a confundir-me com alguém. Nunca gostei do James, somos apenas amigos.
-Claro, claro. – Respondeu muito pouco convencido e com um sorriso muito provocador.
Virei costas. Queria acabar com aquela conversa o mais rápido possível! Estava muito cansada e a única coisa que queria era dormir. Abri a porta do quarto e atirei-me para cima da cama. Estava mesmo de rastos e assim, adormeci.

Ana Soares